Neste natal surgiram nas televisões dois anuncios na televisão que sublinham como as fronteiras entre o real e o virtual, sempre algo ténues no espírito humano (Moura, 2009), se estão a fundir. Sentimos que as fronteiras entre os espaços reais e virtuais se esboroam, potenciadas pela tecnologia digital, e estes dois anúncios reflectem esse sentimento.
Eye Pet: este é um daqueles brinquedos que vai despertar resmungos sobre a desumanização das crianças. Um animal de estimação que "vive" dentro do televisor (na prática, dentro da memória de processamento da playstation) e que permite interacção através de objectos reais que se estendem ao espaço virtual. É uma pura aplicação de realidade aumentada, em que as acções do mundo real se estendem ao espaço virtual. No vídeo fiquei particularmente curioso com a capacidade de desenhar uma forma num papel, fazer a leitura com a câmara e poder transformar a forma rabiscada num objecto 3D manipulável. Não interpretaríamos a criatura virtual como um ser vivo, mas o potencial de interagir com o virtual utilizando os nossos gestos habituais em vez de objectos de interface é muito promissor. Imagine-se: escrever num dcoumento sem utilizar um teclado, manipular um ficheiro utilizando os gestos manuais e não o rato/touchpad.
Mais interessante é a publicidade ao Wii Sports Resort, pelo conceito em que se baseia. O olhar do espectador é levando em círculos, alternando entre espaço virtual e espaço real. As cenas estão construídas de forma a que o espaço real pareça uma extensão do espaço virtual e vice-versa; um constante ciclo entre imaginário e realidade física com a máquina como interface de fronteira a servir de ponte entre as duas realidades. O que é real, o que não o é? Serão os bonequinhos coloridos os seres reais e nós a mera projecção das suas fantasias?
A ancoragem do espírito humano no real é discutível. Se fossemos realmente fãs do real, toda a construção de espaços imaginários que constitui o espólio da cultura humana - mitos, ficção, literatura, arte, música, não seria possível. A génese da realidade virtual está no nosso cérebro, na nossa capacidade de imaginar objectos, acontecimentos e espaços que não existem ou não aconteceram senão no espaço exíguo das nossas sinapses. A tecnologia digital está apenas a acelarar e a ampliar o espectro do possível dentro da fronteira entre o real e imaginário, e a fazer o impensável para outras tecnologias que representam e representaram, durante milénios, o virtual, como a linguagem oral e escrita, ou a linguagem plástica. Observar a capacidade de falar, escrever e representar graficamente como tecnologias parece contra-senso, mas não o é na medida em que permitem representar o virtual, o imaginário nas nossas mentes. O digital apenas trouxe a capacidade de interagir com os espaços virtuais. Escrevo "apenas" para olhar para lá do deslumbramento com o digital e recordar que um livro, um quadro ou um mito também nos mergulham num espaço virtual. Temos é de o reconstruir na nossa mente. O digital tira-nos essa reconstrução, mas amplia a capacidade de interacção e criação.
(As referências vão para os ensaios A Arte como uma nova filosofia natural: o explodir de novas fronteiras de Henrique Garcia Pereira, referindo "a hibridização do vivo com o artificial acaba com uma série de antigos dualismos, em especial a separação mente-corpo, que é uma herança de Descartes e que foi mantida viva durante séculos, para serivr de suporte intelectual ao capitalismo industrial." (p:50), e Vida 2.0: o novo paradigma da arte de Leonel Moura, que reflecte "a realidade virtual vem demonstrar que o nosso cérebro não faz distinção entre o mundo físico e o imaginado. Coisa que já sabíamos a partir dos sonhos, mas que adquire uma outra dimensão, fenomenológica, já que agora temos estes outros sonhos perfeitamente acordados." (p:44))
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