quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Frankenstein (1931)





A nossa atitude para com a tecnologia é um dos nossos mais marcantes paradoxos. A nossa dependência na tecnologia nunca foi tão marcada como na nossa época contemporânea, em que as tecnologias avançadas fazem já parte do nosso dia-a-dia. Por outro lado, temos um medo quase visceral da tecnologia e da ciência que lhe está subjacente. O nuclear traz consigo o horror do apocalipse. Os ubíquos e inestimáveis telemóveis, sem os quais ninguém passa, têm a si associado o medo dos perigos inomináveis das radiações.

Frankenstein é uma das obras que aborda esta dicotomia entre o progresso desmedido e os seus potenciais horrores, tornada ainda mais valiosa pela sua precocidade - Mary Shelley escreveu a obra clássica nos princípios do século XIX, quando a revolução industrial estava nos seus primórdios e o impacto da ciência no dia a dia era muito reduzido. Não por acaso, o subtítulo de Frankenstein é The Modern Prometheus - Victor Frankenstein é amaldiçoado pelas consequências dos seus actos desmedidos, tão amaldiçoado como o monstro fruto do seu acto criador, condenado à perseguição pelas turbas que erradamente vêem nele o mal. Note-se que, ao contrário do que se pensa, o monstro não tem nome; Frankenstein é o cientista que persegue a ciência sem limites. No filme, de forma simplista, esta questão moral é resolvida de forma a que a hubris e a loucura de Henry Frankenstein são perdoáveis, mas o monstro é considerado um verdadeiro monstro. Mesmo assim, o tom continua ambíguo - a personagem de Henry Frankenstein oscila entre a obsessão, o orgulho desmedido, e o arrependimento pelos seus actos, enquanto o monstro, apesar de mostrado como um antigo criminoso, é uma massa disforme torturada por Fritz, rejeitada pela humanidade, e com os atributos de um atrasado mental. Henry Frankenstein coloca-se acima do bem e do mal, enquanto o monstro é colocado abaixo do bem e do mal.

Frankenstein é um filme repleto de cenas memoráveis. O início do filme marca logo o tom tenebroso da história, com um funeral filmado em tons góticos. A cena em que Frankenstein dá vida ao monstro é a clássica cena do laboratório do cientista louco, inspirada no laboratório de Rotwang em Metropolis, levada aqui ao exagero com uma profusão de equipamentos de aspecto tecnológico e os inimitáveis geradores van de graaff a faíscarem. Esta é sem dúvida a cena mais icónica do filme, copiada e glosada em números filmes. A cena é de uma moralidade extremamente ambígua, tendo em conta o filme. Sem medir as consequências do seu acto, o monstro atira a rapariga para um lago, matando-a. A ambiguidade é óbvia: o monstro, perseguido e odiado, é castigado pelos seus actos, sem que no entanto tenha a capacidade mental para medir as consequências dos seus actos. Ao ver que a rapariga se afoga, o monstro, incrédulo e incapaz de saber o que fazer para a salvar, foge, assustado. Na oposição perfeita, Henry Frankenstein é perfeitamente capaz de medir as consequências dos seus actos, mas coloca-se acima do bem e do mal, não sendo castigado pela sua ambição e perseguindo o fruto do seu trabalho.

No clímax final, o monstro confronta o seu criador no moinho, e é destruído pelas chamas ateadas pela turba de archotes em punho. A cena desvance-se no preto do ecrã, enquanto o moinho em chamas gira ominosamente. O final é ambíguo, remetendo para o sul americano, para o Klu Klux Klan com as velas em forma de cruz do moinho a arder.

Jack Pierce, o director de caracterização dos estúdios Universal, superou-se com a criação do monstro icónico - a imagem do monstro de Frankenstein foi para todos os efeitos fixada neste filme, num ícone tão poderoso que passou a encarnar o espírito da obra. Ao ícone só faltava um actor que o animasse - Bela Lugosi recusou o papel, e Boris Karloff animou o monstro, criando história do cinema.

Icónico e inspirador, Frankenstein é um filme ambíguo, que transformou uma personagem num mito e que influenciou incontáveis obras posteriores. A passagem do tempo não envelheceu o filme, que ainda hoje, na era dos maravilhosos efeitos digitais acoplados a inteligentes argumentos (no melhor do cinema), continua uma obra fascinante e inspiradora.

11 comentários:

Anónimo disse...

Exmº Sr. Artur, É verdade que vivemos numa cada vez maior «dependência da tecnologia» mais notório nas gerações mais novas.Quando fala da «dicotomia entre o progresso desmedido e os seus potenciais horrores», DEVO DIZER-LHE QUE O PROBLEMA RESIDE NA QUESTÃO MORAL, ESPIRITUAL E FORMAÇÃO DO SER HUMANO E QUE NÃO HÁ «PROGRESSO DESMEDIDO»! oS HORRORES EXISTEM PELO HUMANO...OS HORRORES EXISTEM NO LADO ESPIRITUAL DOS HOMENS E NO QUE EXISTE EM SEUS CORAÇÕES.qUANDO DIZ QUE «PERCEGUE A CIÊNCIA SEM LIMITES»... «USA-A!» E PERESEGUE O DESEJO DE SER Deus sem limites! Esse é o início da Bíblia...quando um dos anjos deseja ser como Deus! Tem toda a razão quando logo a seguir diz que «é uma questão moral». Quando dia que «Henry F. coloca-se acima do bem e do mal, enquanto monstro é colocado abaixo do bem e do mal», há um aspecto muito grave em considerar que o bem e o mal estão no mesmo nível...muitos enganos e ambiguidades nesta afirmação. Quando diz clássica cena do laboratório do cientista louco», penso que novamente faz um eufemismo a um tema e a um personagem que no seu contexto ultrapassa a questão da loucura. Conheço muitos loucos que o são pela sua ignorância e coisas que dizem. Penso que este personagem tem muito mais de complexo e espiritual. São muitos os autores que nas «diversas artes ou espressões» se deixaram motivar e influenciar por «demónios».
Ao dizer que é um filme valioso «pela sua precocidade»... acredite que há muitos milhares de anos atrás houve Quem criasse algo realmente surpreendente... este filme e tudo o que ele transmite é uma armadilha para quem é «ingénuo» e nada sabe de Deus e do que existe no plano espiritual do ser humano e do mundo.Outra coisa! Estou farto de temas tão «depressivos»...

Artur Coelho disse...

?

Anónimo disse...

penso que a experiençia deve continuar a existir

Anónimo disse...

Acho uma aberração fazer estas experiências científicas em seres humanos cadavéres tornando-os em monstros

Anónimo disse...

não é só ser cientista há que saber ser cientista

Anónimo disse...

E MUITO MAL POIS ESTÁ A PROFANÁR CAMPAS.

Anónimo disse...

O meu comentario é:penso que as experiencias devem continuar,mas não de resçusssitar os mortos como neste caso, esperiencias técnologicas que nos aportem um bem estar,um melhor futuro para vivermos até Deus nos chamar.
nada criar monstros para estarmos
acima do nosso criador.

Anónimo disse...

Por causa do homem crer ser igual a DEUS é que o mundo está da maneira que está. O homem pensa que pode fazer tudo até no comer e no beber,dizendo que o corpo é seu e que pode fazer dele o que quer e assim se vai destruindo a si próprio, comendo, bebendo, fumando, usando drogas, álcool etc.

Anónimo disse...

a loucura humana e as suas ambiçeos, nada teem haver com deuses ou demonios,biblia ou outros ditos ou contos, mas sim com a conciencia de cada ser humano

Anónimo disse...

Nao devem brincar com coisas serias,pois nem sempre corre como prevem. Mesmo com as tecnologias e experiênçias aqui viu-se o resultado, criando um monstro assassino brutal, sem medir o bem do mál.

Artur Coelho disse...

Caro anónimo: o maior valor deste filme, para os que não são fãs do género, é precisamente a capacidade que ainda tem, ao fim de tantos anos, de despertar reflexões sobre os nossos temores (quer justificados ou não) face à ciência e tecnologia.

não vou comentar considerações de teor religioso. sendo ateu, não lhe deve ser difícil perceber o que penso disso.

note-se que o filme é dos anos trinta. o romance de Mary Shelley é do final do século XVIII. mas troque-se a criação de vida por energia nuclear, nanotecnologia, robótica avançada, inteligência artificial ou biomedicina e a questão continua a mesma. Acredite-se no que se acreditar, em deuses ou na razão humana, o sentido ético é inultrapassável, na ciência e na vida.