sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Sonharão os Andróides com Carneiros Eléctricos?





A Ficção Científica tem gerado inúmeras obras literárias marcantes, mas quando chegou ao cinema deu origem a poucos filmes marcantes. Talvez seja uma consequência do efeito Star Wars, com a sua ênfase nas aventuras implausíveis no espaço, ou o legado dos deliciosamente maus filmes de série B. Ou, talvez, o meio visual fique aquém da imaginação - as melhores obras de FC são aquelas que nos estimulam a imaginação, que nos levam a sonhar e a congeminar na nossa mente os mundos descritos pelo escritor. Mas o cinema, dependente do visual, retira-nos essas opção. Ao deslumbrarmo-nos com cenários de tirar o fôlego e conceitos visuais futuristas, quedamo-nos a admirar a beleza visual, e perdemos o prazer de imaginar.

É este o aspecto que mais fascina em Blade Runner. Baseado de forma muito livre no romance Sonharão Os Andróides Com Carneiros Eléctricos de Philip K. Dick, este é um filme de estonteante visual futurista, fruto da colaboração entre gurus da arte aplicada e dos efeitos especiais como Syd Mead, conceptualizador dos cenários futuristas, e Douglas Trumbull, génio dos efeitos especiais por detrás das imagens fascinantes de 2001. É este o elemento que nos apaixona pelo filme, os cenários minuciosamente detalhados, as visões quase dantescas de um mundo futuro, ultra-urbanizado, onde os fogos ímpios da indústria iluminam o céu negro de poluição. A cuidadosa conceptualização da sociedade futura originou a visualização de um mundo fascinante e verosímil, onde as tecnologias do futuro estão presentes mas não o condicionam - o velho e o novo coexistem no dia a dia, tal e qual como o fazem no nosso dia a dia. Filme dos anos 80, optou pela conceptualização do perigo japonês, projectando uma sociedade futura onde a estética asiática nipónica pervade o mundo americano. Se Blade Runner tivesse sido conceptualizado hoje, os cenários teriam mais a ver com uma chinatown do que com a eficiente mistura de arquitectura urbana americana com as visões de uma Tóquio utópica. Com a dose obrigatória de Metropolis, filme cujos cenários são uma referência obrigatória para Blade Runner.

O mundo é detalhado, cuidadosamente controlado para nos fazer entrar no mundo do filme, mas não visualiza um futuro utópico, limpo e positivo. A sublinhar a degradação permanentemente presente no filme está uma chuva recorrente, que torna mais sombrias as exóticas ruas da Los Angeles do futuro. Os acessórios futuristas, os carros voadores, as maquinarias, as armas, os veículos, não são visões aerodinâmicas de perfeição tecnológica, mas antes objectos disformes, cheios de protuberâncias inestéticas. O futuro é desolador.

Complexo e inquietante, Blade Runner é um filme marcante pelo seu conjunto - desde as temáticas às interpretações dos actores, sem esquecer a banda sonora assombrosa de Vangelis (muito datada mas em perfeita consonância com as imagens) e os cenários detalhados que nos tiram o fôlego. A paixão que este filme desperta pode ser resumida na evocação das cenas em que contemplamos a metrópole futura, onde dos arranha-céus pendem ecrãs gigantes onde os anúncios se entrecortam com rostos de gueixas, onde sobre a vitalidade das ruas desoladoras pende sempre a promessa de um mundo melhor fora do planeta, promessa suspensa sobre dirigíveis suspensos sobre cabos que apregoam as delícias dos outros mundos sem que nunca nos deixem o vislumbre da sua beleza anunciada, deixando-nos cativos da nossa busca nas profundezas das ruas desoladoras.

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